terça-feira, 4 de novembro de 2008

O dilema da opção nuclear

Com vénia ao dr. Luís Queirós
Presidente da Maktest e membro da ASPO - Portugal

Em 22 de Dezembro de 1938, os físicos alemães Otto Hahn e Fritz Strassman conseguiram cindir um núcleo de urânio, com libertação de uma elevada quantidade de energia. Esta descoberta está na base do funcionamento das centrais nucleares, nas quais a energia libertada sob a forma de calor é usada para produzir vapor de água, que por sua vez acciona uma turbina capaz de gerar electricidade.
Construídas essencialmente nos anos 70 e 80, estão actualmente em funcionamento em todo o mundo cerca de 450 centrais nucleares, com uma potência instalada de 370 Gigawatts (GW). Elas encontram-se sobretudo nos EUA (104 centrais produzem 40% da electricidade), na França (59 produzem 78%), no Japão, na Rússia, no Reino Unido, na Coreia do Sul e na Índia. A energia eléctrica produzida por todas as centrais nucleares corresponde a 16% do total mundial. E em 2006 era próxima da produção hidroeléctrica total do planeta.
Depois do acidente de Chernobyl, em 1986, houve uma quebra na construção de novas centrais nucleares, alimentada pelos baixos preços do petróleo e pelo desenvolvimento das centrais a gás natural. Daí resulta que 90% das centrais actualmente existentes tenham mais de 15 anos e sejam de 2ª geração. Neste momento constroem-se centrais de 3ª geração, e já se prepara uma quarta, mais segura e eficiente. Em Março de 2007 estavam em construção 24 novas centrais na China, Índia, Rússia, Finlândia, Coreia e Japão. E muitos outros países têm novos projectos.
A construção de uma central nuclear constitui um longo processo, cuja fase inicial é de discussão e planeamento. A construção propriamente dita demorará pelo menos cinco anos, e o seu tempo de vida útil pode variar entre 40 e 60 anos. Isto significa que muitas terão que ser construídas nas próximas duas décadas, se se quiser repor o número das que, entretanto, irão ser desactivadas.
O custo do kWh produzido por uma central nuclear é comparável ao das centrais térmicas a carvão. Porém, se considerarmos o custo adicional a pagar pelas emissões de CO2, o kWh nuclear pode ficar mais barato do que o produzido numa central térmica. Tenha-se em conta que uma central nuclear de 1 GW evita que 6 a 7 milhões de toneladas de CO2 sejam libertadas todos os anos para a atmosfera.
O urânio, combustível das centrais nucleares, é abundante na natureza, encontrando-se as maiores jazidas na Austrália, no Cazaquistão, no Canadá, nos EUA, na África do Sul, na Namíbia, no Níger, no Brasil e na Federação Russa. Países como a França ou a Alemanha terão já esgotado as suas reservas exploráveis. Aos preços actuais do urânio, a extracção só se justifica se a concentração do minério permitir a produção a um custo inferior a 30 dólares por quilo. Porém, neste escalão, as reservas são limitadas. E a manter-se o actual consumo de urânio, de acordo com um estudo do Energy Watch Group, o mundo poderá ter de recorrer aos escalões de menor concentração já em 2030. O que significa urânio mais caro a breve prazo! Portugal ocupa neste aspecto uma modesta posição, e as suas reservas pertencem ao escalão de baixa concentração. A sua extracção só se justificará com preços acima de 130$ o quilo.
Em termos energéticos, quer nos transportes quer nas utilizações domésticas, o futuro da humanidade gravitará em torno da electricidade, a qual terá de ser produzida pelas chamadas fontes de energia primárias. Com o agravamento da crise dos combustíveis fósseis e com os problemas do aquecimento global, o recurso crescente à energia nuclear parece inevitável. As fontes de energia eléctrica renováveis (hídrica, eólica, solar) não concorrem nem poderão substituir as chamadas centrais de base. E, nestas, as opções no futuro são apenas o carvão e o nuclear.
É por isso que, para uma geração privilegiada como a nossa, que usufruiu de energia abundante e barata, discutir a opção nuclear é um dever para com as gerações vindouras, que irão experimentar a penúria energética, e as limitações e constrangimentos que ela acarreta.
Em Portugal a discussão já está aberta, e vai certamente aprofundar-se no futuro. Os prós e os contras são muitos e de peso. Mas o dilema da decisão irá certamente ter que ser enfrentado pelos nossos governantes mais cedo do que eles porventura desejariam. O afrouxamento dos drivers do crescimento económico baseado no turismo e na construção civil podem obrigar a repensar alternativas. E esta é uma questão de estado, que não pode ser deixada ao sabor dos interesses do mercado, nem à iniciativa de particulares.