sábado, 2 de julho de 2016

Motim em Riba-Côa

Anda o inferno atulhado de piedosas intenções, é bem verdade! Que eu esqueci, quando manhãzinha decidi ir a Almeida. Era agraciada na câmara uma mulher luminosa do concelho, coisa que não se vê todos os dias. A cerimónia correu, e os prolegómenos cordatos e adequados.
Só que havia outras questões, para lá da distribuição de faixas aos membros todos duma obscura confraria: era a defenestração dum livrinho sobre numismática, e outras questões da história, e da cultura, blá-blá-blá...
E a apresentá-lo está um professor-doutor que veio de Coimbra. O prof-doc, bom paradigma do fala-barato, dá início a um improviso frenético e brilhante, que andou a preparar durante um mês inteiro. Não se vislumbra bem para que é que tende, talvez no fim ele nos resuma um digest. É que não há lugar-comum, supino e superlativo, que não apareça no rosário. E numerosas metáforas queimadas, que ele vai lançando na fornalha. Eu encaixo-as, bem disposto. Até que, a certa altura, oiço distintamente estas palavras: os soldados que morreram na Guiné, é porque não sabiam nadar! 
Dei um salto na cadeira, senti um motim no peito, quis perguntar se tinha ouvido bem, se estava a perceber mal. Eram já duas da tarde, começava o carvão a faltar-me na caldeira, depois deste havia certamente algum outro palestrante... interromper a eminência era um escândalo. Pedi perdão a uns nomes que estão escritos na parede do forte do Bom Sucesso, à beira-Tejo, levantei-me da cadeira e abandonei ostensivamente o auditório.
Almoço ao lado duns espanhóis que invejo, e vieram matar a galga a baixo preço. Agnus Dei qui tolis... miserere... é a charneca a chorar.