quarta-feira, 4 de março de 2015

Caminho Mau

Manhãzinha tirei-me de cuidados, esqueci tarefas mais urgentes, fui-me à caminhada matinal. Duas horitas de ganho em todos os tabuleiros.
O final deste percurso é uma ladeira puxada, a que sempre se chamou Caminho Mau. Uma coisa já medieval, onde as águas vadias do ribeiro se dispersavam nas fragas e nos calhaus rolados. Mesmo os jumentos com cargas das hortas se viam da cor dos gatos na subida.
Um dia um autarca tomou-se de capricho e remodelou a via. Alargou as bermas, empedrou o pavimento, plantou-lhe iluminação. Oxalá não perca o velho nome, mas agora parece uma Avenida dos Campos Elísios. 
Isso mesmo pensará o condutor do Mini-Cooper vermelho, que veio apanhar um sol, e passa, todo lampeiro, a relampejar petardos e a recender a petróleo. Uma relíquia do tempo em que os ingleses faziam automóveis, se ainda há quem o recorde.
Chego ao cimo da ladeira, passo à betesga onde em tempos foi a escola. Uma sala com cinquenta criancinhas e quatro classes lá dentro. Havia no logradouro um damasqueiro que já desapareceu. Mas a mestra tinha coração de pedra, e ai de quem metesse a mão na fruta. 
Hoje há uma escola recente, abandonada, que não tem damasqueiros nem crianças. E tão vazia como os Campos Elísios, onde já não há burricos a arquejar. É sina nossa, ou fadário que nos talham, só nos chegar a fartura quando a vontade de comer já nos passou!