quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

O último maçaricão-esquimó 15

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            O maçaricão manteve exactamente o rumo sul. Quando os montes escarpados do Lavrador desapareceram da vista, deixou de poder orientar-se por qualquer marca no terreno. Apesar disso dirigia o bando com uma segurança infalível. Algures, no jogo de forças cósmicas entre a rotação e o magnetismo terrestres, havia uma linha de orientação, uma direcção em relação à qual o seu cérebro estava perfeitamente alinhado. Mantinha o rumo sem esforço. Um instinto velho de séculos completava inconscientemente esta obra-prima, que pedia meças às maiores realizações da consciência no reino animal.
            A noite ia a meio. Oitocentos metros abaixo do bando estendia-se a costa alcantilada da Nova Escócia e o cabo Breton, orlado de branco pela rebentação. O maçaricão já algumas vezes tinha parado aqui, mas desta vez o ano já ia alto, era já tarde, uma escala estava fora de questão. O bando necessitara de cinco horas para atravessar o golfo de São Lourenço. E agora voava sobre a ponta do cabo Breton, na direcção do Atlântico, que se abria perante ele como uma goela escancarada.
            O maçaricão mudou entretanto para uma posição mais cómoda, no meio das outras aves, e aí se manteve uma hora, cedendo o comando a uma tarambola. Então, vinda do continente canadiano, aproximou-se uma frente fria. Surgiram turbulências e ele colocou-se de novo à cabeça. O ar frio, mais pesado, empurrava para cima as camadas de ar inferiores, mais quentes. E uma vez que, a grande altitude, a temperatura era mais baixa, a humidade do ar quente condensava-se e provocava precipitação. Primeiro aguaceiros e depois neve, à medida que as temperaturas baixavam.
            Os turbilhões do ar davam que fazer ao bando. A princípio nevava apenas lentamente, mas depois os flocos tornaram-se maiores, amontoavam-se uns nos outros sobre as asas das aves, e dificultavam o voo. Instintivamente o maçaricão ganhou altitude e todos o seguiram. Nas camadas superiores o ar era mais calmo, mas as nuvens de neve tornaram-se mais densas. As aves puderam de novo fazer a sua formação, mas tinham que confiar sobretudo na intuição, na percepção dos turbilhões fornecida pelas pontas das asas. A tempestade de neve era agora tão violenta que cada uma delas mal podia ver o companheiro que a precedia. Mas mantinham a altitude que tinham atingido.

            Não era possível avaliar a velocidade de passagem da frente, para Leste. Apesar disso, em parte por lembrança de anteriores migrações, e sobretudo por intuição instintiva, o maçaricão sabia que à velocidade de 80 quilómetros por hora iriam encontrar de novo a frente fria. Mas então voariam à frente do temporal, uma vez que este se deslocava mais lentamente do que eles. Assim, teriam que alterar o rumo e voar com o temporal, para Leste, em direcção ao mar aberto.
(Cont.)