quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

A. M. Pires Cabral

O milhafre e o pintassilgo

Vejam como - disse um dia o milhafre - 
com a agudeza da minha vista, a rapidez 
do meu voo, o poder das minhas garras,
desordeno facilmente o corpo breve
das pequenas aves.

Não são de admirar - continuou - 
a sabedoria e a bondade do grande arquitecto,
que assim me arquitectou
tão excelentemente
para a excelente tarefa de matar?

Sabedoria talvez - respondeu o pintassilgo,
debatendo-se nas garras do milhafre - 
bondade, nem por isso.

Enfim, há sempre quem seja do contra - 
suspirou o milhafre, enquanto dissecava
com o bisturi do bico as carnes do herege.

[Gaveta do fundo, Tinta-da-China]