terça-feira, 5 de novembro de 2013

Cronistas 2

Nesta sua História de Portugal (Vol.IV), António Borges Coelho pouco ou nada elabora. Não pinta quadros nem emoldura discursos sobre o passado. Quer isto dizer que não floreteia nem confunde, com a verborreia académica. Limita-se a seguir o rasto dos cronistas e dos seus informadores, e a deixá-los falar. O resto agora é connosco, e já cá fazia falta.

«Regressado de Guadalupe [encontro com Filipe II], D. Sebastião levantou todo o dinheiro que pôde e mobilizou o país para a expedição militar. O plano tornado público consistia em tomar Larache e ajudar o Xarife Mulei Ahmede a reconquistar o (seu) reino.
O monarca lançou o imposto de um por cento sobre os bens de raiz. Com autorização do papa, pôde levantar, das terças das igrejas, 150 mil cruzados. Retirou dinheiro do cofre dos órfãos, e venderam-se padrões de juro. Na venda de prata da Casa da Moeda juntou 130 mil cruzados. Estabeleceu o monopólio do sal. Pediu dinheiro às cidades e aos mercadores de grosso trato. Contraiu um empréstimo de centenas de milhares de cruzados, subscrito por Conrad Rott, de Augsburgo, a oito por cento. Consignados ao empréstimo, ficavam, durante três anos, 92 mil quintais de pimenta. Dos cristãos-novos, obteve 250 mil cruzados, mediante a promessa, ratificada por um breve do papa Gregório XIII, de que, durante dez anos, a Inquisição não tomaria as suas fazendas. Em resposta a esta última iniciativa, o cardeal D. Henrique demitiu-se de inquisidor-geral.
Quatro coronéis correram o país a recrutar soldados. Multiplicaram-se os roubos e as ignomínias sobre os lavradores casados. Traziam-nos como carneirada por não terem com que se resgatar. Largavam os que davam 10, 5, 4, 3 cruzados. Por fim bastavam 2 cruzados, até 6 tostões para os deixarem escapar. (...)
Mais de quatrocentos fidalgos, armados à sua custa, ostentavam grande luxo. Muitos venderam herdades, casas, quintãs, outros empenharam comendas e morgados e vendiam o ouro. Fixaram em seis o número de criados que os grandes fidalgos podiam levar, nove para o duque de Bragança. Havia quem levasse cinquenta com libré da sua casa. Quem visse as invenções das vestes, as pinturas nas armas, nos elmos e os retratos nos escudos, devia cuidar que o rei ia a bodas, ou a festas, e não para a batalha.
A 14 de Junho, depois da missa celebrada na sé, realizou-se a bênção da bandeira. O alferes-mor trouxe-a até aos paços. Na passagem da Ribeira, as mulheres deram uma salva: Vitória! Vitória! Vitória!*
A 25 de Junho saíram a barra 940 velas de toda a sorte, uns 20 mil homens de peleja e 3 mil cavalos. D. Sebastião levava a espada e o escudo de D. Afonso Henriques. Cristóvão de Távora comandava os dois mil Aventureiros [terço de fidalgos pobres]. Fundearam em Lagos a 26, em Cádiz a 28.Correram-se os touros. Vieram damas de Sevilha e da Andaluzia. Sebastião, embuçado, assistiu duma janela. Largaram de Cádiz na manhã de 7 de Julho.
O embaixador João da Silva escrevia ao rei Filipe: é lastimável "ver ir el-rei sem homem que entenda o que vamos a fazer, e assim parece o ganhar impossível e o perder certo".»**
*Pero Roiz Soares, pp. 95
**Queiroz Veloso, pp.304