domingo, 9 de junho de 2013

Alta

Um dia apanhei uma carga de paludismo, que voltara à cidade. Não sei se doido, não sei se cerebral, conforme lhe chamaram. Eu não sei. Era um febrão que eu nunca tinha sentido. E lá fui parar ao hospital, às mãos dum médico que me guardou uma semana nos cuidados intensivos. O corpo desfazia-se-me em água e acabou por arribar. Mas ainda tinha à espera uns dias de precaução numa enfermaria.
Não levei muito tempo a reconhecê-la. Era a antiga enfermaria onde passara dois meses a refazer os destroços dum desastre aparatoso, uns trinta anos atrás, nas aventuras da guerra. Na cama junto à janela batia o sol, cicatrizavam as feridas que a viseira partida me deixara na face, vinham às vezes visitas de donzelas condoídas. Um enfermeiro solícito empurrava-me pedaços de comida para a fornalha dos queixos que recusavam abrir, nunca mais pude esquecer um tal cuidado. 
Mas desta vez o rancho era intragável. Uns caldos indecifráveis, umas aguadas papas sem sabor, não havia maneira de as tragar. Ao meu lado estadiava o mais-velho Faustino, que era uma figura sossegada, o que a forçava ali não cheguei a sabê-lo. E todos os dias chegava a família ao meio-dia, a trazer o almoço ao patriarca. Juntavam-se em volta dele a acompanhar o repasto, às vezes funge, um frango à cafreal... E eu ficava-me a olhá-los, silencioso.
Um dia o negro Faustino olhou para mim muito sério, e, no meio do adjunto, disse definitivo e terminal: - A partir de hoje passas a comer comigo o almoço que eu tiver! Não podes dizer que não!
Não chegou a uma semana, tive alta do hospital.