terça-feira, 29 de maio de 2012

Padrão

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O viajante quer alcançar Marialva sem tornar a ver a Meda, que tem um padrão de pedra erguido logo à entrada. Plantaram-no ali a evocar os nossos ex-combatentes da guerra do Ultramar, pelos serviços prestados à Pátria… E desenha a silhueta dum soldado, altaneiro e vertical, a projectar-se em fronteiras de lata, que delimitam colónias antigas.
Por ele fica a saber-se, por quem ainda o não soubesse, que o Agostinho era de Casteição e foi morrer à Guiné; que o Zé Armando, o Zé do Carmo e o Zé Fragoso, todos três da Coriscada, também ficaram por lá, este em Angola, aquele na Guiné, o outro em Moçambique; que o Marcílio da Fontelonga foi morrer a Moçambique; que o Alcino e o António e o David saíram de Marialva e não tornaram a vê-la, que este acabou em Angola e os outros dois na Guiné; que o Eurico e o Zé Luís eram da Meda, e morreu um em Angola e o outro em Moçambique; que o Antero dos Gatos embarcou para Moçambique e lá ficou; que o Adelino e o Sérgio, ambos do Poço do Canto, se perderam em Angola; e que o Albino pertencia a Valflor e acabou em Moçambique.
O viajante tem das guerras africanas recordações dolorosas, conforme já deixou dito. E este linguajar de pau deixa-lhe sempre um amargor na boca.
Fosse ele a bem da verdade e o viajante havia de emocionar-se, com este padrão da Meda. Fosse ele o justo tributo às mortificações de tantos portugueses, levados ao altar do sacrifício pátrio, mesmo quando foi inútil, quando foi enganador e até demente. Porém este padrão celebra mitos, em lugar de sacrifícios. Tem saudades de quimeras, cheira a mistificação e a trapaça. Se o espírito que animou este padrão ressuscitasse da pedra, mandava outra vez à guerra, e outra vez morrer em vão, os mesmos portugueses que enaltece, e na guerra já morreram. Por isso o viajante chegou ao cruzamento e fugiu por uma estrada secundária, para escapar a maus encontros.
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