sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Resgate

Caminhando ao longo do passeio, enquanto aguardo alguém que não virá, leio até me arderem os olhos O Ano da Morte de Ricardo Reis. Para um lado, e outro lado, andei nisto a tarde inteira. E tanto me viu passar a mulher da padaria, assim de livro na mão, que às tantas, entre desculpas, apareceu a interpelar-me.
- O meu marido anda a escrever um livro que já dava bem para três! – Diz isto e logo pergunta como é que se arranja um editor.
Dou-lhe dois nomes de que ouvi falar, sublinho que não é fácil, que neste mundo o mais simples é a dança das palavras. O mais duro vem depois, e o grande exemplo é o próprio Ricardo Reis, que delas nunca passou.
- Ele custa-lhe entregar assim o livro, as páginas não têm fechadura, se o senhor me está a perceber!… - Percebo muito bem, e lembro-lhe que registar o manuscrito na sociedade de autores é uma boa garantia.
De repente sou eu o Ricardo Reis, incapaz de decidir se sou real ou não. A padeira volta para trás do balcão, a embrulhar os seus moletes. E eu vou-me embora mais aconchegado, na esperança de encontrar um dia destes um calhamaço que me resgate o dia.