sábado, 23 de dezembro de 2017

Ó António, porra!

Contigo não há tempos, não há lugares, não há lógicas. Escreves como um condenado, o que não é um destino aceitável.
Já foste uma peça fundamental na literatura indígena. Já foste um cronista como nenhum outro. Agora...
A gente compreende... O que havemos nós de fazer da vida?

"Deste apartamento até à aldeia uma hora e um quarto, uma hora e vinte de automóvel se não houver maçadas pelo caminho, acidentes, obras, um camião avariado, polícias de boné branco e colete amarelo a mandarem-nos estacionar na berma para os documentos e o teste do álcool
- Assopre
inclinados sobre a minha janela espiando de relance, que o serviço também tem compensações, nem tudo é triste neste mundo, as coxas de Sua Excelência que a saia curta melhorava e eu com vontade de exibir-lhes a minha esposa de manhã no seu roupão desbotado, às três pancadas, e ainda sem lentes de contacto, embatendo na mesa, embatendo no fogão (...) eu para os polícias
- Regalem-se
e os polícias regalo nenhum, somente
- Pode seguir amigo (...)
e nisto os gritos dos tropas à minha roda lá fora e cheiro de gasóleo no quimbo
- Queima queima
ao mesmo tempo que Sua Excelência para mim
- Até escavacares isto tudo não sossegas pois não?
galinhas a pularem, um dos cabíris que ladrava, vozes, estalos, passos, um motor ignoro onde que começava e falhava e começava de novo
- Ninguém foge queima ninguém foge
sombras, fumo, uma cabra que tombara de joelhos a levantar-se, um farol de súbito iluminando Sua Excelência só com um pano do Congo à cintura, descalça, os pés pretos como os meus, outra mulher a tossir, rodei a chave do apartamento e ela (...)"