A terceira tarde não foi uma aventura, era um encontro, sem data, que estava combinado. Um encontro com o mistério, cara a cara. Gaspar foi encontrar-se com a Gioconda, estava ela a receber visitas ao fundo duma sala, a perder-se num sfumato, na vastidão da parede. Ficou-se a observá-la cá de longe, a aventurar-se aos poucos, à medida que fluía a multidão visitante. E quanto mais perto se achava, cercado de outros convivas, mais sozinho e exclusivo lhe parecia aquele encontro. Ficou ali meia hora, de olhar preso.
Gaspar está emocionado, mas não sabe que emoção é esta, nem conhece as palavras de a dizer. Vem-lhe à ideia um verso conhecido, de um perito em tais mistérios, um mover de olhos branco e piedoso. São estas mesmas as cores, e o murmurar dos sons, e este pudor quase físico, e a luz maior a fulgurar no peito, plácida e macia. Vinha ele à procura do mistério e encontrou-se com um abismo. É certo o mover dos olhos, quem fiará, porém, das qualidades.
Mas hoje tem Gaspar o seu dia de fortuna maior, se fortuna é ter à espera a própria Vénus. Encontrou-a Garpar ao fundo de uma nave, exposta num pedestal, fulgurante como aparição, numa auréola de luz. Deslizou-lhe o véu nas ancas, já esquecido. E a face, o peito, o ventre, as coxas, um joelho, abre-se-lhe o corpo inteiro a todas as direcções, numa espiral donde não há evasão. E os braços, que estão em falta, deixam lugar à imaginação. É a carnalidade intemporal, nesta brancura de mármore. Garpar não tem aqui nenhum poeta em seu soorro, nem lhe valeria a pena. Ao pé do fulgor pagão dos velhos gregos, tudo é trivialidade. (Cont.)