quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Sebastianismo 8

Sequazes (2).

António Quadros
«(…) O mito sebastianista originar-se-ia da junção de dois mitos europeus anteriores: o mito do Encoberto, de raiz popular hispânica e europeia (…); e o mito do V Império, mito bíblico e expressão do desejo inconsciente dos povos do estabelecimento dum reino definitivo de paz e de justiça no mundo. (…) “Camões é o maior dos sebastianistas”. (…)
António Quadros eleva a obra de António Sérgio a centro detractor da teoria sebastianista. Sérgio é estatuído como adversário frontal do sebastianismo. (…) Trata-se de compreender a diferença radical entre história positiva, fundada em factos e documentos, e mito, estrutura inconsciente da mentalidade dos povos, de que a poesia seria a intérprete mais correcta. (…)
De facto, António Sérgio, como qualquer historiador positivista ou empirista, alimentado exclusivamente de factos, não compreendeu a profundidade e a natureza do mito sebastianista. (…)
A teoria de A. Sérgio, por preconceito racionalista, foi incapaz de compreender a natureza profundamente cultural do mito sebastianista, como narrativa compensatória e consolatória de um povo que:
- com supremo orgulho na criação dum império mundial, se viu humilhantemente desprovido de riqueza, poder, prestígio e até de independência;
- desde o séc. XVI intuía ser incapaz de favorecer a sua vida pela objectividade do trabalho, pela disciplina do esforço, pela capacidade de iniciativa, já que as elites parasitárias cortesãs não só impediam a ascensão social, como repartiam entre si as benesses cumuladas pelos proveitos retirados dos Descobrimentos, do ciclo da pimenta e do ouro, da escravatura, do café.

José Marinho
« (…) José Marinho aceita e não aceita o sebastianismo como um mito. Trata-se de um mito enquanto forma de conhecimento em ruptura com a história factual e positiva e a configuração imaginária da cultura portuguesa; não se trata de um mito porque um povo isolado não tem o poder e a capacidade de criação de mitos, apenas a humanidade como um todo a teria. (…)»

Pinharanda Gomes
«(…) Segundo Pinharanda Gomes, o movimento sebastianista tem duas fases: “a pré-vieirina, que intelige o Desejado como pessoa singular, seja ela Sebastião, António Prior do Crato ou um Bragança; e a pós-vieirina, que intelige o sebastianismo como sistema de filosofia política, que mantém a eleição de Portugal para a edição do Reino [o V Império]. (…)
Após proceder a uma síntese histórica do movimento sebastianista e dos seus opositores, conclui Pinharanda Gomes sobre os aspectos positivos do movimento sebastianista: “Na melhor das intenções, o sebastianismo constitui uma tentativa de revigoramento da Cruzada, um desejo de reaportuguesamento da Pátria, para que um povo velho não se apagasse da história”.»

Joaquim Domingues
(…) Assinalando ter sido a teoria providencialista a visão dominante da história de Portugal até Alexandre Herculano, Joaquim Domingues aclara em seguida a teoria da história deste autor, de Teófilo Braga e de Sampaio Bruno, concluindo ter sido com a obra deste último que se reergueu e renovou a antiga visão providencialista. (…)
Assim, a análise da história de Portugal muda radicalmente de foco: Portugal passa a ter um destino, constitui-se como um ser com uma finalidade. É justamente em função deste novo foco que faz sentido a aparição de Cristo a D. Afonso Henriques na batalha de Ourique narrada por Frei Bernardo de Brito, faz sentido a visão quinto-imperialista esboçada em Os Lusíadas e desenhada com pormenor por Padre António Vieira, faz sentido a gesta heróica e aventureira dos Descobrimentos – um território periférico e imensamente exíguo da Europa descobrindo e dominando um império geograficamente descomunal – e finalmente faz sentido o mito sebastianista; (…)
“Não temamos o descaminho – não escreve Deus direito por linhas tortas? -, hoje como outrora a via real a trilhar é a da aventura, ousada mas racional, com risco mas com rasgo. Deixemos os caminhos por demais trilhados, a certeza dos métodos confirmados, a segurança das normas gerais. Na manhã de nevoeiro, todos os caminhos estarão irreconhecíveis”.